Pode-se micar miúdas? (sim!)
A ver se percebo. Há uns meses num desfile de moda, os modelos masculinos desfilaram semi-nus ali no Terreiro do Paço. As senhoras desataram numa berraria hormomal que não se ouvia desde um auto-de-fé no século XVIII. Eu, quando passa uma modelo feminina tenho que me esforçar para não olhar para os mamilos – mesmo que eles estejam apontados para mim, não vá passar por “taradão”. Há aqui um double standard que é preciso amaciar. Um território em que nos deixem socialmente ser um pouquinho homens (alarves) sem que isso traga mal ao mundo. Pelo contrário. O girlwatching (a observação de miúdas) enquanto acto destituído de qualquer perversão rasca mas rejuvenescedor de uma alegria e que retribui às senhoras a sua cativante existência, é bonito. E deve ser aceite como elogio dentro de uma normatividade cavalheiresca.
Não há motivos para escandaleira. De Camões em Coimbra e a sua Leonor pela verdura, ao Vinicius de Ipanema fixado na garota com o seu balançado, o atento observar na passerelle ao ar livre, foi algo que os homens sempre fizeram, sem macular a beleza que os pasmou, esmagou ou simplesmente captou a atenção. Mas não hoje! Nestes tempos? Ui! Ui! Valham-nos todas as leis e as regras da decência, a herança das Marias, as ameaças de proibir os piropos (não, nenhum tipo decente gosta de piropos ordinários) para não falar na lógica: uma mulher arranja-se, produz-se, botoxa-se, wonderbrasa-se2.0, mas na condição de que ninguém lhe lance uma mirada na rua – oh, mas que grande alarve, olhou para mim! Ou aquela boutade do “as mulheres arranjam-se para as outras”. Sim, tá bem…
Há um segredo que os homens partilham no silêncio de uma amizade que já vive de subentendidos. Quando ao entardecer da Primavera ou no início frenético de uma noite de Verão estão tranquilos sentados numa esplanada de perna traçada sem nada que obrigue a ir a lado nenhum. E à sua frente vão desfilando mulheres e jovens, lindas, belas, menos belas, diversas, e múltiplas, e diferentes. Não há gritos nem piropos. Basta trocar um olhar entre nós gajos – “sim? Não? Eu gosto” – sem se trocar um pio… Que os homens falam pouco. Dentro de nós, nosso homem das cavernas ri com tanto polimento civilizacional.
Luís Pedro Nunes