O Rali Dakar de João Conde contado pelo próprio – Parte II

Dia 5

Esta foi a primeira noite de bivaque e logo com – 5ºC. Dormi muito pouco, pareceu–me uma directa dentro de um saco cama para clima tropical, com um pijama de verão. Era o frio do deserto e a ansiedade de quem vai comprar uma mota nova. Acordámos e fomos directos à Garage Iriki. A caravana ia continuar para Sul e nós tínhamos que voltar para trás, mais uma vez. Tinha que voltar no Land Cruiser, e com as duas motas. Só com o aval do Manuel é que ficava com a mota.
Quando cheguei, encontrei a Suzuki a brilhar, tinham tido o cuidado e tempo de a lavar e lubrificar, pareciam boas notícias. Procurei o meu amigo Aziz, pelas várias oficinas, queria ouvir boas notícias em diferentes idiomas. Assim que me viu desejou-me boa viagem até Dakar. A mota estava a trabalhar! Mesmo sem capacete, arranquei para o primeiro teste, percebi logo que era uma mota cansada, mas andava. Perdi-me pelo bairro até ela se desligar. Estava, outra vez, apeado e ela não queria pegar. Numa descida consegui que ela pegasse, mas alguma coisa não estava bem. O acelerador comandava um carburador esquizofrénico. Ora ia até aos 100 km/h, ora calava-se no cruzamento a seguir.
Estava desolado. Não tinha tempo para afinações nem substituição de peças. Não podia pedir mais tempo ao resto da Equipa, era o último dia do ano e tínhamos festa marcada com o resto da caravana. Abracei o Aziz e despedi-me da família de Zagora.
Não se vê, mas é o Manuel que está a fazer o diagnóstico. A família observa! Chegámos ao acampamento a tempo de preparar o jantar que planeámos com tanta antecedência. Picanha, espumante, fogo de artifício, shots de whisky e fui-me deitar. Estava morto e sem um plano. Não me conformava em chegar ao Lago Rosa de carro. Apesar de toda a frustração,nunca desisti de Dakar, podia adiar o sonho, mas ia lá chegar de mota. Nesta noite, pedi à minha mulher para marcar voo de regresso a casa. Com a eficácia habitual, foi ajudando como podia. Resolveu o transporte da mota para Portugal e desesperou à procura de uma mota para eu seguir viagem.

Dia 6

Este foi um dia de pistas rápidas, muita pedra e uma paisagem diferente. Estávamos no Sahara Ocidental.
Apesar do desconforto das 4 rodas, a companhia da Rita e do Ricardo não podia ser melhor. Eu estava de mau humor, mas a sabedoria de quem já foi a Dakar três vezes ajudou-me a lidar com a frustração e a relativizar as coisas. Valorizei a companhia e o frigorífico do Land Cruiser. O nosso carro tinha tudo e permitia-nos verdadeiros luxos quando estamos no meio do deserto. Cerveja, vinho branco, espumante e água das pedras, tudo gelado. Ao lado do frigorífico, tínhamos a despensa gourmet. Como sou um homem simples, fiquei satisfeito por ajudar na organização dos melhores piqueniques da minha vida.
Hoje sei que o meu irmão teve a queda mais aparatosa de todas. O Kevin ia atrás e não se cansou de contar a toda a gente que foi uma queda estilo Evil Knievel. Uma queda violenta, mas com muita graça. O depósito ficou furado, mas deu para seguir depois de aplicar uma resina/cola rápida. Neste dia, começaram as quedas a sério e as lesões graves. Ainda tentei ficar com a mota de um lesionado, mas ele não estava disposto a abdicar. Naquele dia podia não estar capaz de levar a mota, mas quando melhorasse era ele que se ia montar nela e tentar chegar ao destino. Era lógico, estávamos todos enfeitiçados por Dakar.

Dia 7

Este era o meu último dia com a Equipa. Estava triste por não seguir com eles, mas não havia nada a fazer. Tinha que voltar no próximo ano. Chegámos a Dakhala cedo, a tempo de conhecer a cidade, que é a meca do Kitesurf. O jantar prometia, era a minha despedida, e as lagostas estavam encomendadas.
No lobby do hotel, antes de jantar, surge a possibilidade de alugar a mota de um italiano ia abandonar. Apanhava o mesmo voo de ligação que eu. O Jonas, o companheiro de quarto, também italiano, contou-lhe a minha história e como eu estava obcecado com Dakar. Todos os meus azares e peripécias, de alguma forma, sensibilizaram o Frederico. Tinha-se mostrado pouco comunicativo e nada interessado em dialogar, mas naquela noite mudou de ideias. Fomos ter com ele ao melhor restaurante da cidade, interrompemos o jantar da comunidade italiana para garantir a minha nova montada. Sem negociar grande coisa, aceitei as condições e fui comemorar com a Equipa. Afinal o que era para ser um jantar de despedida, anunciava-se como a celebração do meu renascimento. Estava vivo e montado numa KTM 690 R!

Grazie, Frederico!

Dia 8

Era o dia de entrada na Mauritânia. Uma etapa de 363 km de asfalto e muitos nervos. Tinha que conseguir sair do país com a mota de outra pessoa e sem qualquer declaração em meu nome. O controlo nas fronteiras marroquinas é apertado e com a sorte com que estava, havia o risco que não conseguir passar a fronteira e ter que regressar a Dakhla sozinho. Adaptei-me à falta de autonomia da minha nova mota da pior maneira. Fiquei sem gasolina a meio da etapa.
A KTM 690 levava 10 litros de gasolina, a minha quase 30 litros… A gasolina virou uma obsessão para todos com duas rodas. Na Mauritânia, a qualidade da gasolina era péssima e muito difícil de encontrar. A técnica na fronteira passava por entregarmos muitos documentos ao mesmo tempo e falar alto. Uma técnica que pode resultar numa repartição de finanças em Portugal, mas ali não. O meu passaporte e documentos da mota ficavam retidos até aparecer o dono da mota. Expliquei que este estava a caminho de Itália, mas isso não era um problema para eles, podiam esperar. Passado algum tempo, chamam-me e, sem perguntas, entregam-me os documentos, podia seguir viagem. Não sei qual a justificação para uma mudança tão radical de atitude. Talvez a minha sorte estivesse a mudar.
Depois disto, passámos 6 horas na fronteira da Mauritânia. Burocracia e 30ºC à sombra.