Estórias de viagem: Postal do Laos.
Receita:
1 Gruta
1 Rio Subterrâneo
1 Jogo de Petanca
1/2 hora de Condução de um autocarro
5kg de Cobra
1 Grávida de Gémeos
Aterro em Vientiane, capital do Laos, vindo da confusão de Hanoi (Vietnam) a bordo de uma das companhias aéreas mais acidentes do mundo, a Lao Airlines. Bom, mas isso era antigamente, agora, com a renovação da frota parece uma companhia como outra qualquer (que seca). O objectivo era ir o mais rápido possível para as Grutas Tham Kong Lo, um espectáculo da natureza. Tinha que estar de volta à capital na noite do dia seguinte. Inicialmente, não estava nos meus planos esta visita, mas depois percebi que se eu fosse suficientemente rápido para dormir nesse dia perto das Grutas isso dava-me tempo para no outro dia vê-las pela manhã, viajar pela tarde e estar de volta a Vientiane à noite. Mais uma vez, toda a gente dizia que era “muito arriscado” e “complicado”…yada yada yada.
Rapidamente encontrei a pseudo-estação de autocarro, comprei uns comes e bebes e vamos embora! Com mais umas horas nos queixos a ver a paleta completa de verdes da enigmática vegetação e dos castanhos da terra, e uns noodles no bucho (sim, eu sei, é raro escritores consagrados usarem o termo “bucho” mas aqui aconteceu), comecei a chatear a malta toda do autocarro para saber onde estava onde tinha que sair, uma vez que para chegar à aldeia perto das grutas tinha que trocar de pseudo-autocarros no Laos profundo. Lá acabei por descobrir um senhor de idade que ainda falava umas réstias de francês do tempo em que o Laos era um protectorado de França. Saí no sítio certo mas ainda faltava apanhar outro transporte. Foi preciso por uma aldeia inteira a rir da minha cara quando tentava falar Lao, a língua local, com ajuda do guia de conversação, não havia outra maneira de comunicar mesmo com os gestos a coisa não ia! O que é certo é que me fiz entender!
Cheguei à última aldeia antes das grutas, finalmente. Objectivo do dia cumprido! Encontro um casal muito simpático, no Laos é o prato do dia, com aquele ar de felicidade budista, que me deixou dormir a troco de uns cobres numa casita de bambu muito gira. De manhã cedo, havia que esperar para que o autocarro que me ia levar mesmo ao pé da gruta enchesse, o que SÓ demorou…4 horitas. O que parecia ser um tédio, acabou por ser uma manhã muito bem passada.
Nestas minhas viagens levo sempre prendas para os viajantes que encontro no caminho, com os quais acabo geralmente por fazer grandes amizades, e para os catraios que se cruzam no meu destino. Para o Sudeste Asiático levei vários CDs com música portuguesa para os viajantes e levava a parte da “surpresa” dos ovos Kinder, ou seja, o ovo amarelo que tem um brinquedo lá dentro. O que me obriga a comer ovos Kinder como se não houvesse o amanhã antes de partir para a viagem. Para além disso, decidi levar uma bola insuflável para dar uns toques caso, num dos dias, encontrasse um grupo de miúdos pelo caminho. Esse era o dia. À minha volta estava 1 bando de miúdos patuscos e sorridentes, 2 porcos e 1 cachorrito que só queria era brincadeira. Depois de ficar quase sem pulmões a encher a bola lá conseguimos pôr a malta toda a dar uns toques na chicha…se não sabes o que é chicha e porque quando eras miúdo ias à baliza…ah, vês como sabes.
Após 4 horas de uma inesperada diversão, lá arrancou a carripana que me levou até ao local onde se entrada para a gruta. Basicamente, íamos experimentar um passeio numa espécie de “kayak” de madeira rasteirinho e rentinho à água. Dava ideia que se bastava uma rabanada de vento para virarmos, mas se isso acontecesse íamos a nado…”à hóme”. O rio atravessava a montanha ao longo de 8km, tudo às escuras, estilo Indiana Jones. O meu guia dizia que em muitos sítios a gruta era da altura de uma catedral, o que se veio a verificar. Como já sabia para o que ia, preparei o frontal e a lanterna.
Sentadinho e quietinho, para não virar o barco, literalmente, via o que o frontal iluminava e ouvia a lentidão da água. Mas o caminho não era monótono, havia curva e contracurva, altos e baixos, estalactites, estalagmites e colunas. Começamos então a ver a luz ao fundo do túnel e saímos do outro lado, parecia que estávamos noutra dimensão! Havia muito mais vegetação. E a paisagem era ainda mais selvagem. Umas quantas fotos e voltámos pelo mesmo caminho. Simplesmente, não havia outro.
Chegados ao local onde tínhamos começado, ainda era preciso fazer uns 150m a pé. Como os rapazes tinham ainda que prender o barco eu fui andando todo contente pelo trilho que rompia a flora até à recepção improvisada. A meio do curto caminho, vejo uma cobrita a atravessar o trilho muito lentamente e a desaparecer do outro lado, ali mesmo à minha frente. Eu? Borro-me todo! Quer dizer, tenho algum, pouco, receio. Medo, nunca! Fico atento para ver se eles vinham atrás de mim e nada. M%$ para isto! Ao mesmo tempo, fica-se momentaneamente um pouco paranóico do estilo começar a pensar que a cobra vai voltar para trás e nos vai morder o pé e que se calhar é daquelas cobras venenosas e que temos 5 minutos para levar com o antídoto ou lerpamos, etc.! Faltavam uns 80m até à cabana, vou passar levezinho e rápido. Concentrado no molho de ervas onde tinha visto a cobra entrar arranco sem fazer estrilho mas rápido. Mesmo quando vou a pôr o pé no sítio onde o bicho tinha entrado eis que……………….. não acontece nada! Uff.
Já com a malta toda e recomposto do susto, encontro um argentino que me convida para formar uma poderosíssima equipa de petanca contra a malta local…sem medo! Nunca tinha jogado petanca na vida…mas estávamos ali para ganhar, nem que fosse uma valente sova! De igual para igual, pés descalços na lama e muita vontade de mandar uma bola de metal grande para o pé de uma pequenina. OK, dito assim não pareceu espectacular, mas foi! O prémio era cervejas, perde paga. Resultado final: Perdemos 2-1. Mas claro, o árbitro era do Laos. Não me apetece escrever mais nada sobre esta parte. Agora a sério, foi um convívio muito engraçado.
Um dos meus adversários era, justamente, o condutor do autocarro que me tinha trazido e que agora me levava de volta. Eu era o único passageiro e, felizmente, desta vez não era preciso esperar para encher o autocarro. A fazer-nos companhia estava a mulher do senhor, que estava grávida e que ajudava com a improvisada bilheteira e com os trocos. Com isto tudo acabei criando uma relação muito engraçada com este casal.
Como eu era o único ”cliente” disse-lhes: “Vocês agora vão aí descansadinhos que eu levo o autocarro de volta!”. Eles riram-se. E eu: “Estou mesmo a falar a sério!”…e assim foi. Começou a rambóia! Apitava e dizia adeus à malta toda que me aparecia no caminho, de aldeia em aldeia. Primeiro olhavam com estranheza mas depois acabavam rindo da maluqueira. Sensivelmente a meio do caminho, o senhor diz-me para parar que iam comprar o jantar! Pensei: “Deve ser o equivalente a ir comprar um frango antes de chegar a casa quando não há vontade de cozinhar!”. Saímos do carro, direitos a uma cabanita à beira da estrada. Começam a falar em Lao e vejo pegarem num saco de serapilheira e pesarem-no, 5 quilitos. Mas de quê? Entretanto mostram-me… e era uma COBRA?! Com 5 quilos, pá! Eu viro-me para eles e digo:
“Só espero que tenham congelador que isto vai sobrar!” Responde-me ele: “Mas sobra pouco porque somos 4 a comer. A minha mulher está grávida de gémeos!”. E eu a tentar controlar o meu espanto digo “Deve ser nutritivo!”.
Legenda: & = e; # = r; % = d; $ = a.
Loïc Pedras
O Loïc Pedras é completamente viciado em viagens e fala sobre isso na sua página de Facebook. Sigam a página aqui e caso tenham interesse, podem tê-lo como formador em workshops e guia de aventura com a Papa-Léguas.