Bons Amigos | Piet-Hein Bakker

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A CURVA DA FELICIDADE

Fui pai pela primeira vez aos 31 anos. A minha vida mudou. Passei, como todos os pais, muitas noites em claro e, devido à inexperiência, fiquei num estado meio maluco.  Levei o papel de pai muito a sério. Seis meses antes da minha filha Margarida nascer já tinha a casa toda protegida: não havia tomadas em casa sem proteção, tinha uma cancela nas escadas, protetores de dedos nas portas, os cantos das mesas tinham borracha, os armários já não abriam de tanto “clip” posto. Comprei todo o catálogo da Prenatal. Estava com medo que os varões das cortinas se soltassem da parede e caíssem em cima da cabeça dela. Tinha medo do fogão, da máquina de lavar roupa, de água na banheira… de tudo. Acordava com pesadelos no meio da noite que me tiravam ainda mais o sono.  Este quadro, visto objectivamente de fora, parecia o de uma pessoa sempre stressada, com grandes dificuldades de aceitar a normalidade de ser pai.

Fui ganhando experiência. O meu relaxamento chegou a tal ponto, que, uma semana antes da minha quarta filha Mónica nascer, lembrei-me que ela não tinha uma cama. A coitada da miúda.

Li uma vez um estudo que mostrava a curva da felicidade de casais com e sem filhos.  A curva dos que tem filhos é mais baixa entre os 30 e 50 anos do que a das pessoas que não tem. Mas a partir dos 50 a situação inverte-se. São os filhos que nos fazem companhia. Este estudo parece fazer sentido.

Mas há aqui qualquer coisa que não bate certo.

Sempre quis ter uma família com muitos filhos. Cresci junto com 3 irmãos e a confusão, o barulho permanente, a cumplicidade e até as zangas foram pilares da minha felicidade infantil. Os dias passam mais depressa na confusão. Tínhamos, apesar das zangas que obviamente eram um constante, uma cumplicidade fabulosa.

Quando chegou a minha vez de ser pai, percebi instantaneamente que aqueles 3 quilos e 750 gramas eram o meu futuro. Que, sem este peso igual a um saco de batatas eu não era completo. E esta noção vale ouro. Que compensa até as piores noites em que o nosso filho chora sem parar porque está com febre, até ao ponto de sermos obrigados a ir para o hospital, onde temos 43 pessoas à nossa frente, e após uma longa espera, o pediatra diz-nos para dar tempo ao tempo, porque isto vai passar sem fazer nada.

E este amor cresce com o tempo e revela-se até nas pequenas coisas. A sensação de ouvir as minhas filhas falar português com sotaque holandês é maravilhosa. Os “ss” ficam como “x”, os “rr” com um som imperceptível, e o ditongo “eu” na palavra “fisioterapeuta” fica qualquer coisa como “fisioterapoita”, o que não é muito bom, mas coitadas, não têm culpa.

E depois há coisas que, para nós homens, são impossíveis de fazer como deve ser. Escolher a roupa delas por exemplo. Já me aconteceu enviá-las para a escola, vestidas com uma camisola que afinal era um pijama. Mas é para isso que servem as mães, certo?

Eu estou absolutamente convicto de que a minha curva da felicidade entre os 30 e os meus atuais 49 não foi mais baixa do que a de quem não tem filhos. O que torna o cenário dos próximos 50 anos bastante animador!

 

Piet-Hein Bakker