On-the-record
21:40. E nada. Nada de diferenciador, quanto mais de empolgante, esdrúxulo, best, arrebatador. Nada vezes nada. Parece que o mundo do desporto decidiu assapar-se no sofá, sedentário como um ouvinte reformado. Quando a tua redacção és tu, o teu editor és tu, a Bola Branca dura meia hora, são as horas que são e ele começa às 22:30, não há consciência amiga que te abafe o stress, a angústia de teres apenas 10 minutos de depoimentos e uma boa m… coisa nenhuma para o abrir. Tinha feito dezenas de contactos e nadinha de nada. Não havia N A D A!
22:05. Emborcada mais uma bica, 3 cigarros na redacção. Não havia testemunhas… Nem notícia. “Paciência, pá. Notícia não se fabrica.” “SHIUUU, autocomiseração! Não me rendo! Tem que haver… Bolas! Espera… Espera!”
22:10. Play e Rec no gravador de bobinas, ligado ao telefone. Silêncio na linha. 2 toques. Atendeu. “Atender já atendeu… Agora… Seja o que fôr!” – Major Valentim Loureiro? – Sim! – Boa noite! Sou o João Pedro Mendonça, da Renascença! – Oh meu bom amigo? Então? A que devo a honra a esta hora? – Desculpe lá… Estou a ligar porque vi esta manhã aquela notícia do Miguel Simão… – Essa história?? Essa história está mal contada! Mal contada! Você quer saber porquê?? – Quero, claro! Mas posso gravar? – Pode e deve! E eu gravei. Gravei! Sabem, naquela hora, sem tempo para editar, não havia mais como fazer. Gravavas e marcavas com papelinhos encravados na fita os pontos fortes da conversa “que o técnico de estúdio há-de perceber na emissão…” esperas tu. 22:15. Primeiro papelinho. Segundo papelinho. Terceiro. O Major estava onfire. Uma bomba noticiosa, duas, três. “Viste, meu cromo? Então havia ou não havia notícia? E tu quase a desistir” Nem alívio sentia, quanto mais orgulho, querida consciência. É que do nada passei ao tanto… E eram 22:23. Programa no estúdio do andar de cima às 22:30 em ponto. Já só queria que o Major fizesse um ponto final.
22:25. O Major fez um ponto final. Peguei logo: – Obrigado Major! Desculpe mas tenho que desligar já. O programa… – Eu sei, jovem – interrompe ele – tem 5 minutos para começar. AHAHAHAH! Vou ouvir! – Obrigado! Boa… – Boa noite, jovem. Ah… (Eu a morrer para desligar) – Sim, Major? – … E não se esqueça! Noutro dia qualquer, se forem 10 da noite e não tiver nada para abrir a Bola Branca das 10:30… É só ligar. AHAHAHAH! E desligou ele, em (sempre!) muito sonoro gargalhar.
22:27. Estaquei. Corei. Reagi e corri escada acima. Com pressa de dar a notícia. Ainda pouco convicto de que a notícia que tinha sacado – sim, era mesmo notícia… Já quem sacou o quê… – era maior que a lição que tinha levado.
João Pedro Mendonça – Jornalista RTP
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