Dia 12
A primeira etapa no Senegal tinha 467 quilómetros. Depois de muito asfalto, terminava com 200 quilómetros de pistas na savana. Estávamos avisados para muito calor e pó. De manhã, a minha mota estava morta. Não dava sinal nenhum, parecia bateria, mas nem com os cabos respondia. Estava morta e não perdi tempo com diagnósticos. Carreguei a mota no camião da organização e meti-me no Land Cruiser outra vez. Nesse dia tinha o Manel como companhia. Não arriscou fazer uma etapa tão dura, quando tinha a mota a aquecer e não tinha solução para isso.
Fiquei muito apreensivo com a avaria da minha mota, parecia mais um problema eléctrico e um remake do filme de Ceuta. Também queria fazer os 200 quilómetros de Savana daquele dia, mas a preocupação era recuperar a mota para o último dia.
Seguimos atrás da caravana, até entrarmos nas pistas. Montámos o piquenique habitual e vimos passar a quase todos. Havia muito pó e pouco vento, como nos tinham avisado. Os carros levantavam nuvens de pó que ficava suspenso como se fosse nevoeiro. O meu irmão almoçou connosco, comeu pouco, e seguiu viagem sozinho. Decidimos arrancar e curtir a savana de Ar Condicionado ligado e a ouvir música. Poucos quilómetros depois, encontramos um motard com um ritmo muito lento. Ultrapassar era muito difícil, por isso seguimos atrás dele alguns minutos. Ele estava morto, não se mexia em cima da mota e conduzia como uma desert snake na areia fina. Era o Jonas, o outro italiano. Fizemos sinal, ele parou sem hesitações. Saí do carro e percebi que não estava bem. Sugeri levar-lhe a mota e dar-lhe o meu lugar no Land Cruiser. Aceitou sem pestanejar.
Equipei-me e arranquei para a etapa mais rápida que fiz em África. Fui ultrapassando carros e motas. Era impossível acompanhar alguém por causa do pó, e essa era a desculpa que eu precisava para andar a fundo e tentar chegar-me à frente do pelotão.
Percebi a dificuldade de navegar e andar depressa ao mesmo tempo. Para dificultar a tarefa, o pó no GPS e nos óculos parecia não desaparecer. Cheguei a parar para limpar, mas era impossível, este pó fino estava em todo o lado. Com isto, perdi-me 3 vezes, numa das vezes afastei-me demasiado do track e fui obrigado a estudar melhor o meu GPS em italiano. Parei numa sombra a tentar perceber onde estava, mas quem me ajudou foi um nativo que apareceu a correr e a indicar-me a orientação certa. Estavam mais de 40º C, e mesmo à sombra, estar parado era uma tortura. Voltei ao track e afinei o GPS já em andamento. Curti esta etapa até ao fim. Cheguei ao hotel com o parque quase vazio. Quando apareci na piscina, ninguém queria acreditar, não percebiam onde tinha arranjado a terceira mota. Eu estava de barriga cheia!!
Estava tão cansado que não fiz nada à minha mota. O dia a seguir era de folga. Íamos visitar um parque selvagem e os motards tinham que ir nos jipes.
Dia 13
Pela primeira vez, dormíamos dois dias no mesmo sitio. Fomos visitar o maior parque selvagem do Senegal. As motas ficaram no hotel. Sonhei que ia ser mordido por um leão, mas conseguia recuperar a mota e chegar a Dakar. Os meus dias em África faziam-se assim – “a seguir à tempestade vem a bonança”.
À meia noite, ainda não tinha mota para seguir viagem. Com a ajuda dos mecânicos do costume, e o Manel a fazer de oráculo, conseguimos devolver vida à KTM. Faltava uma etapa para chegar a Dakar e eu continuava vivo.
Dia 14
Tambacounda > Lac Rose – Dakar
Foram 440 quilómetros de asfalto até chegar à praia. Fiz os 20 quilómetros de praia muito devagar, eu e o resto da equipa. O ritmo de corrida que tínhamos imprimido desde o primeiro dia, e que tanto admirava os outros participantes, tinha desaparecido. O estilo “faca nos dentes” já não fazia sentido. As motas estavam acabadas e o objectivo cumprido. Chegar ao Lago Rosa pela praia e respeitar as posições de cada um era um código de honra no antigo Paris – Dakar. À nossa maneira, também fizemos a praia durar. Esperámos pela Rita e Ricardo antes de entrar no Lago Rosa. Estávamos todos e já podíamos abrir a garrafa que guardámos toda a viagem.
Apesar de tudo, cedo percebi que não ia desistir de Dakar, podia adiar Dakar, mas nunca desistir. Preferia ter vivido dias mais tranquilos, e evitado a montanha russa emocional que as avarias desencadearam. Mas o espírito do rali Dakar era este, nunca desistir e só parar no Lago Rosa. Inconscientemente foi esse o espírito que fui vivendo todos os dias. Estive fora várias vezes, mas fui andando e cheguei lá. Esta é a minha história. Foi um sonho que se tornou numa grande aventura.
Agradecimentos: Pedro Clarimundo – 100deixardesorrir, o nosso Main Sponsor. Restaurante Sal, Stressless, Iplanus, Horta dos Cedros, BonsRapazes, Full Pack, Barrancos MX, Talho Romão.
Obrigado por tudo
Grande abraço