O Rali Dakar de João Conde contado pelo próprio – Parte III

Dia 9

A primeira etapa na Mauritânia contava com 298 kms em off road. Estávamos no Sahara, muitos quilómetros a fundo e dunas para todos os gostos.
Depois de uma manhã de muitos quilómetros, decidimos parar para almoçar. Comprámos peixe aos pescadores e convidámos quem passava para almoçar. Acabámos com o vinho branco sem olhar para o relógio. O que faltava para o final da etapa era feito pela praia e tínhamos que esperar pelas 17h00 para a maré começar a descer. Fazer 50 quilómetros na areia mais solta era muito cansativo e penoso para os motores. A solução era seguir junto à água, na zona mais dura da praia.
Na altura de arrancarmos, a mota do meu irmão não pegou. Um problema mecânico que não conseguimos diagnosticar. Naquela situação só nos restava rebocar a mota até ao acampamento para tentar resolver o problema. O Land Cruiser era a solução para rebocar a mota pela praia, mas até lá tínhamos que atravessar uma aldeia de pescadores. Nesta aldeia, fomos recebidos como em todas as outras, com muitas crianças e adultos a acenar e a cumprimentar-nos, mas no centro da aldeia algo de anormal precipita um andamento mais acelerado da Equipa, até à queda do meu irmão. Em segundos, estávamos rodeados por dezenas de nativos com uma atitude estranha. A queda foi feia e tivemos que arranjar forma de sair dali o mais rápido possível. Eu não percebi, mas algumas crianças atiraram pedras ao carro, e foi esse o motivo para um andamento mais apressado.
Passei para a mota do meu irmão e ele levou a minha. Parámos uns metros à saída da aldeia para avaliar os estragos. O meu irmão tinha recuperado o fôlego e a mota estava só com a direcção torta. Seguimos viagem, não podíamos entrar na praia de noite. Conseguimos chegar a tempo de assistir a um bonito pôr-do-sol. Adivinhavam-se muitas quedas ao longo dos 50 quilómetros, preparei-me para isso, mas só caí uma vez. A minha sorte tinha virado e naquela hora e meia, evitei muitas quedas de forma inacreditável. A certa altura, perdi a noção do espaço, não sabia se ainda estava na praia, parecia hipnotizado, ou bêbado. Estava sem luzes, cansado, sem óculos, e com areia e água salgada a bater-me na cara… A força que fazia para manter a mota direita (a direcção estava completamente torta) a cada esticão da cinta deixou-me exausto.

Chegámos ao bivaque tarde e acabados. Acho que o meu irmão nem jantou, agarrou-se à mota e só parou quando voltou a ouvir o motor. Estava pronta para mais um dia.

Dia 10

Acordei mais cedo e voltei à praia do dia anterior sozinho. No último round, tínhamos empurrado a mota à mão até conseguir sair da praia. Deitei-me a pensar que tinha sido aí que deixara cair o meu chapéu. Quando lá cheguei vi as marcas da luta. Não fiz um metro à procura de nada. Tinha voltado para recapitular os 50 quilómetros mais insanos da viagem. Adorei esta praia, gostava de lá voltar.
A segunda etapa na Mauritânia acabava na Capital – Nouakchott. Os dias eram de muito calor e muito exigentes para as motos. Eu estava apaixonado pela minha nova mota e a curtir as pistas do Sahara.
Aqui começaram os problemas mecânicos na mota no Manel. Aquecia e perdia água.
Furei a meio da etapa. Valeu-me a ajuda do Jaime e do Manel.

Dia 11

Neste dia, ligávamos Nouakcchott a Saint Louis, no Senegal. Mais uma fronteira e mudança de paisagens. Deixávamos o Sahara para trás e ficávamos mais perto de Dakar.

Passámos umas horas na fronteira do Senegal entre burocracia, técnicas de venda agressiva e música repetitiva.

O contraste entre países e culturas é inacreditável. Sair da Mauritânia e entrar no Senegal é como ir ao Lux depois de uma missa de sétimo dia. A chegada a Saint Louis foi surreal. Uma cidade colorida pelo lixo, animais e pessoas nas ruas. Entrámos na cidade escoltados, a caravana seguia toda junta, o que originou muitas paragens. As máquinas começaram a aquecer, inclusive a minha mota. De repente, acendiam luzes que nunca tinha visto. Tentava libertar-me daquele pára-arranca e respirar algum ar, mas não conseguia. Não podia ultrapassar a polícia que seguia em marcha lenta. Decidi parar para ver se a ventoinha estava a funcionar e falar com o Manel.
Todos passaram por mim a gritar…todos eram da mesma opinião. Tinha escolhido o pior sitio para parar. Estávamos no centro de uma cidade assustadoramente caótica e diferente de tudo o que já tínhamos visto. Segui até ao hotel sem olhar mais para o manómetro. Quando cheguei, lembrei-me que devia ter lavado o radiador, na praia a mota ficou carregada de sal, e acabou por tapar parte do sistema de refrigeração. Banho tomado e estava pronto para a próximo etapa.